domingo, 4 de setembro de 2011

PRINCÍPIO DA UNICIDADE DA SENTENÇA

O Direito Processual Brasileiro abrigou, por um extenso período, o princípio da unicidade da sentença, prática em que todas as questões de fatos e direito ficassem decididas em uma única sentença.

A divergência do julgamento segundo Dinamarco (2001, p. 668), que nos esclarece: “é absolutamente contrária ao sistema, porque todas as questões relacionadas ao mérito devem ser julgadas em um ato só”, o que se constata nos artigos 458, II, 459 e, do Código de Processo Civil.

Art. 458. São requisitos essenciais da sentença:

I - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

Art. 459. O juiz proferirá a sentença, acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, o pedido formulado pelo autor. Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, o juiz decidirá em forma concisa.

Parágrafo único. Quando o autor tiver formulado pedido certo, é vedado ao juiz proferir sentença ilíquida.

Logo o Processo Brasileiro não admitia Sentenças Parciais, recaindo sobre as decisões não extintivas o conceito de decisão interlocutória. Agora com a chegada da Lei 11.232/2005, que deu nova redação do § 1º do art. 162:

Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

§ 1˚sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei.

Faz-se necessário reconhecer que algumas das situações dos artigos 267 e 269 do CPC podem ocorrer antes da decisão final da fase de conhecimento. Se qualquer decisão que remeta às situações dos referidos artigos viesse a configurar uma sentença, como faz crer a nova redação do parágrafo em comento, logo se teria a provável eliminação do Direito Brasileiro no que diz respeito ao princípio da unicidade da sentença. Em outras palavras, oportunizando a explanação sobre o foco de haver sentenças parciais no processo, consequentemente nascendo novos meios de impugnações.

Para Furtado (1975, p. 176):

“Via de regra, a apreciação do mérito acarreta a extinção do processo, mas casos haverá em que não ocorre tal conseqüência. É que, mesmo julgando o mérito, o ato do juiz, em determinadas condições, não esgota o conteúdo do processo, envolvendo julgamento apenas parcial”.

Em relação ao art. 269, nota-se que no seu texto não há referência à extinção do processo ou do procedimento. Nem mesmo a alegação de que o artigo situa-se em capítulo com título “Da Extinção do Processo”, vale para fins de se manter o critério topológico na classificação das sentenças. Isso porque as decisões com conteúdo ali esculpido não extinguem necessariamente o processo, que pode continuar em cumprimento de sentença, nem que para mera cobrança de verbas de sucumbência.

Art. 269. Haverá resolução de mérito:

I – quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor;
II – quando o réu reconhecer a procedência do pedido;
III – quando as partes transigirem;
IV – quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição;
V – quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação.

A explicação mais adequada face ao texto dos novos dispositivos conduz a outra compreensão do conceito de sentença. Houve a quebra do critério topológico para a sua avaliação. Existiu o acolhimento do critério substancial pelo processo brasileiro, de decisões definitivas (sujeitas a coisa julgada) e não extintivas sequer da fase cognitiva do processo.

Esclarece-nos Baptista (2001, p. 24):

“Na verdade, o próprio conceito de sentença, como ato final que decide (em ato de julgamento definitivo) sobre o reconhecimento ou não do direito invocado pelo autor, é que impedia, e impede, que a doutrina conceba uma sentença liminar, posto que esta nunca poderá, naquele sentido, dizer o direito”.

Não é mais através da lei que a sentença deferira o termino do procedimento. Se o argumento do jurista Baptista (2001, p.21) estiver apropriado, então, pode-se pensar em sentenças parciais.

“Com a sentença definitiva, esta a que se dá o nome de sentença parcial também produz coisa julgada e apenas da primeira se distingue por não encerrar inteiramente o procedimento. Tanto na sentença definitiva quanto na sentença parcial o juiz pronuncia-se sobre o meritum causae de tal modo que o ponto decidido não mais poderá ser controvertido pelas partes naquela relação processual e nem o julgador poderá sobre ele emitir um julgamento divergente, nas fases posteriores do procedimento”.

Nas sentenças parciais de mérito haverá a configuração da coisa julgada material, de modo que novo recurso não devolveria ao órgão a matéria. Somente admitindo-se a constituição de coisa julgada sobre as sentenças parciais de mérito, ter-se-ia mecanismos para cumpri-la imediatamente. Na hipótese, operando um verdadeiro desmembramento do processo em favor da efetividade processual. Lembre-se que terá a parte com razão possibilidade de exigir o cumprimento da tutela imediatamente.

A divergência do julgamento, admitindo sentenças parciais foi defendida antes mesmo da reforma da lei 11.232 por Camilo Dall’Alba, apontando, igualmente, que o recurso sobre a decisão será o de apelação.

“A razão prática de tal decisão é imensurável, eis que um dos pedidos não necessitava de prova e o outro necessitava, só que o segundo dependia do primeiro. Dessa forma, em não se julgando de imediato o pedido “A”, que se encontrava maduro, teríamos de esperar até o fim do processo, colhendo-se inclusive as provas do pedido “B”, para quem sabe naquele momento não acolher o pedido “A”. Então, de imediato há o julgamento do primeiro pedido, com resolução do mérito e, em caso de acolhimento, prossegue-se o processo julgando-se o pedido restante, com os atores processuais já sabendo em parte seu destino. Com isso, o processo racionaliza-se, evitando-se atos inúteis”.

O problema já foi trabalhado pela doutrina brasileira em função da inclusão do parágrafo § 6º ao artigo 273, pela Lei 10.444/2002. Marinoni (2004, p. 346) “denunciou que a prestação jurisdicional célere e efetiva pode demandar a quebra do velho princípio da unidade da decisão”.

Didier Jr. (2002, p. 717) analisando o artigo, afirmou que a hipótese concerne a um julgamento antecipado da lide, a resolução parcial do mérito. Defendeu que ser a decisão “interlocutória que versa sobre parte do mérito, definitiva, fundada em cognição exauriente (juízo de certeza, não de verossimilhança), apta a ficar imune pela coisa julgada material e passível de execução também definitiva”.

A mesma defesa foi realizada por Carneiro (2004) ao afirmar que “com a previsão da tutela antecipada no art. 273 do CPC, houve o rompimento dessa unidade da sentença, permitindo seja decidida uma parte do pedido, protraindo-se a análise da outra para o momento final do processo”.

Qualquer das soluções que fosse escolhida, antes da reforma do art. 162, §1º, não causaria problemas de ordem recursal, já que recorríveis mediante agravo retido ou de instrumento, porquanto não enquadráveis no conceito de sentença, ora revogado.

A partir da reforma do conceito de sentença, as antecipações de tutela concedidas com base no art. 273, § 6º, constituirão indubitavelmente sentença, com chance de imediato cumprimento definitivo. Igualmente, bom alvitre é que se contará o prazo prescricional executivo do trânsito em julgado parcial e não do término do processo.

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

§ 6˚a tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.

A reforma do art. 162, § 1º, ampliou indiscutivelmente a força normativa da doutrina que defendeu sentenças parciais no direito brasileiro. A partir de então, restou difícil sustentar a incolumidade do princípio da unicidade da sentença à luz das hipóteses de julgamento parcial, acolhidos no conceito legal de sentença.

Nesse sentido podem-se ler as disposições dos artigos 468 e 471. Faz-se viável atribuir coisa julgada à sentença que julgar parcialmente a lide, tendo ela força de lei nos limites das questões decididas (art. 468). Veda-se, igualmente, que o juiz julgue novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide (art. 471).

Didier Jr. (2002), apontou o caminho da resolução parcial do mérito quando um dos pedidos puder ser julgado antecipadamente (art. 330). A hipótese ocorre tanto nos casos de revelia, contestação genérica ou confissão de parte dos pedidos, sendo necessária à instrução dos restantes, ou ainda quando já houver material probatório suficiente para o seu julgamento.
O não reconhecimento da sentença parcial é ignorar o novo conceito legal de sentença, afastando o direito processual da previsibilidade e razoabilidades que lhe são próprios em função do valor segurança jurídica. Sustentando interpretações que notoriamente não derivam do texto da lei consubstancia-se ato injustificado e alheio à ciência do Direito, logo surgindo também o afrontamento ao principio da dignidade humana, contradizendo também o pacto social, onde o estado ficou sendo o detentor da moral o dos direitos dos cidadãos.

Não se deve permanecer inerte a evolução da sociedade, pois a cada minuto, novos acontecimentos necessitam de uma interpretação ampla do que venha ser a justiça. A reforma legislativa tendo andado bem ou mal, são sentenças, com as conseqüências recursais e formais que lhe são inerentes, os atos do juiz cujo conteúdo remonta a qualquer das circunstâncias dos artigos 267 e 269 do Código de Processo Civil.

Os provimentos judiciais são necessários e importantes para compreensão, pois a mudança no conceito de sentença nos leva a meditação de inúmeras mutações no processo civil brasileiro. Entre as quais, a admissão de sentenças parciais, hábis para constituição da coisa julgada material. Tais decisões possibilitariam o cumprimento imediato, tornando-os títulos executivos judiciais para uma aplicação de Segurança Jurídica mais Justa.



REFERÊNCIAS:

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. III. São Paulo:
Malheiros, 2001.
FURTADO, Adroaldo Fabrício. Extinção imprópria do processo e recurso cabível. Revista da Ajuris, nº 5, p. 174-182, nov. 1975.
DIAS, Jean Carlos. A Reforma do CPC e o Fim da Teoria da Unidade da Sentença – Lei n. 11.232/05. Revista Dialética de Direito Processual, n. 40, p. 79-84.
SILVA, Ovídio Baptista da. Decisões interlocutórias e sentenças liminares. In: Da Sentença Liminar à Nulidade da Sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
THEODORO JUNIOR, Humberto. As novas reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
DALL’ALBA, Camilo. Sentenças parciais de mérito: sua aplicação na praxe forense brasileira. Revista da Ajuris, n. 99, p. 353-370.
MARINONI, Luiz Guilherme. A Antecipação de Tutela. São Paulo: Malheiros, 2008.
DIDIER JR., Fredie. Inovações na antecipação dos efeitos da tutela e a resolução parcial do mérito. Revista Gênesis de Direito Processual Civil, n° 26, out. 2002.
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. O § 6º. do art. 273 do CPC: tutela antecipada parcial ou julgamento antecipado parcial da lide?. Revista Gênesis de Direito Processual Civil, n. 32, p. 291-311, mai-jun. 2004.



De acordo com a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVALCANTE, Márcia. PRINCIPIO DA UNICIDADE DA SENTENÇA, Conteúdo Jurídico, 04 set. 2011. Disponível em: < http://terajustica.blogspot.com>

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